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domingo, 29 de agosto de 2010

Cabeças Digitais

Escola Analógica – Cabeças Digitais: O cotidiano escolar frente às Tecnologias Midiáticas de Informação e Comunicação
Leandro Petarnella, Campinas: Alínea Ed. 2008, 95p.

A atual revolução cultural provocada pelas tecnologias digitais, baseada nas inovações tecnológicas de informação e comunicação oferecidas pela micro eletrônica, informática e digitalização da informação, consolida-se na ampliação do acesso às novas oportunidades oferecidas pelas redes. O acesso e o uso constante das redes digitais geram um processo gradual e estrutural de transição e de estruturação
da organização humana. Entretanto, no que diz respeito à relação estabelecida entre educação e comunicação, as referências se circunscrevem a aspectos bem específicos, voltados aos usos e às práticas na escola ou à análise do que é veiculado, de acordo com os conhecimentos trabalhados nos programas escolares. O problema é que a escola, como instituição, está ainda marcada pela lógica de transmissão, fazendo colidir a lógica das tecnologias digitais e a lógica escolar. Há questões de fundo, então, que implicam pensar as tecnologias de informação e comunicação, as escolas e os profissionais que atuam em contexto mutante e avizinhado por lógicas que não são as trabalhadas por instituições como a escola. Ainda
mais, há necessidade de carregar o fenômeno da globalização e seus reflexos nos vários âmbitos da vida humana, processo que afetou nossa percepção de mundo, por implicar lógica de produção distinta daquela do final da Segunda Guerra Mundial.
Refletir sobre tais questões, catalisando outras, é o que Leandro Petarnella faz no livro Escola Analógica e Cabeças Digitais, versão de sua dissertação de mestrado, concluída em 2008 na Universidade de Sorocaba, com apoio da CAPES. Para tanto, no primeiro capítulo, enfocando a sociedade contemporânea fundamentada em características que nos permitem considerá-la como uma sociedade digital, resultado da
saturação de tecnologias existentes no cotidiano, utiliza o enquadramento social realizado por Paula Sibilia que, por sua vez, considera a modernidade responsável pela relação homem/máquina como uma sociedade de tradição prometeica, lugar onde a máquina é vista como uma extensão do homem que busca auxílio em seus afazeres. No contraponto, a atualidade, para a autora, enquadra-se numa tradição fáustica, no qual,
por meio da tecnociência, o homem ganha a capacidade de transcender seu próprio organismo, criando dessa forma não mais uma relação homem/máquina, mas sim uma relação máquina/homem, momento em que as máquinas deixam de ser uma extensão humana e passam a impor limites na existência do homem, criando uma relação de dependência com as máquinas.
O primeiro capítulo dialoga, também, com Octávio Ianni e Lucia Santaella para tratar da evolução da humanidade e suas mudanças culturais. Com Ianni, quando destaca três períodos, conjunto que denomina de “amadurecimento cultural”, para desenrolar as alterações nos modelos político-sociais pelos quais passou a sociedade desde o período medieval até a atualidade. No primeiro, o domínio era do principado de
Maquiavel; no segundo, a época era dominada pelo principado de Gramsci, uma organização que culminava no partido político; e, no terceiro, o atual, o domínio está nas mãos do príncipe eletrônico, fruto das redes informacionais que quebram barreiras de espaço e de tempo. Já Santaella divide a evolução humana em seis eras civilizatórias: a da comunicação oral, da escrita, da impressa, da de massa, a midiática e a da
comunicação digital, eras que constituem por justaposição de fatos e situação não excludentes a sobreposição, amalgamando a base da contínua evolução.

O segundo capítulo, Cabeças Digitais, dialoga com Lucia Santaella e Derrick Kerckhove sobre os indivíduos que vivem a influência do que Leandro Petarnella denomina Tecnologias Midiáticas e Digitais de Informação e Comunicação (TMDICs) a sociedade digital, buscando mostrar as alterações na forma de os sujeitos  ocidentais perceberem e interpretarem a realidade. Revela como os meios tecnológicos, com o
surgimento da mídia televisiva, alteraram o perfil cognitivo dos sujeitos tecnopsicológicos para psicotecnológicos, dependentes das TMDICs. A reflexão realizada permite inferir que os sujeitos hodiernos internalizam os sistemas de controle, o que os faz pensar de maneira digital, transformando-os, por consequência, em cabeças digitais. Com Santaella, lembra, ainda, que é com a emergência dos dispositivos móveis de comunicação, como o celular, que os meios comunicacionais móveis e as redes wi-fi
estão sendo estabelecidas, em novas dinâmicas sociais, com o objetivo de tornar cada vez mais intrínsecas as relações entre o cotidiano real e o virtual, fazendo com que o real e o virtual se sintetizem nas e como subjetividades dos sujeitos.
Toda essa sintetização provoca nos indivíduos uma complexificação de seu pensar, colocando o homem em permanente metamorfose. Para explicitar essa ocorrência, Leandro Petarnella utiliza-se do processo de leitura como mecanismo de sistematização do pensamento, implicando um campo interacional entre principados e leitores. Assim, ao principado de Maquiavel corresponde um leitor contemplativo que, a
partir do século XVI, passa a ler e produzir textos complexos, que não sofre e nem é acossado pelo tempo, que busca (re)significação ao que está sendo lido. Ao principado de Gramsci corresponde um leitor fragmentado, aquele que aprende a transitar entre linguagens, passando dos objetos aos signos, da imagem ao verbo, do som à imagem com familiaridade imperceptível. Já com relação ao principado eletrônico corresponde um leitor de dados, um leitor imersivo/virtual, um leitor de hipertextos, cuja habilidade
principal é uma atitude exploratória diante do material a ser assimilado. Nascido sob a égide do príncipe eletrônico, escaneando textos, possuindo as TMDICs internalizadas, esse leitor tem cabeça digital e um saber tipo fáustico, vivendo numa sociedade digital.
A inserção das cabeças digitais na escola e o seu contraste com o cotidiano escolar que, por consequência das práticas docentes, mostram-se analógicos, são o objeto de estudo do terceiro capítulo. As metodologias aplicadas na pesquisa de campo, realizada com alunos e professores da Cidade de Sorocaba, no interior do Estado de São Paulo, como a técnica do grupo focal, entrevistas semiestruturadas e relatos da dinâmica
do cotidiano, configuram a dicotomia existente nas formas como o cotidiano escolar se apresenta para alunos e professores, dicotomia pautada num modelo disciplinar que não detém vetores ativos para trabalhar com cabeças digitais em uma sociedade digital.
Para concluir, sinalizando de modo enfático que está em curso a emergência de um novo sujeito, de um novo lugar, de novas demandas, ainda que de natureza difusa, incorpórea e sem contornos bem definidos, o autor afirma que as cabeças digitais dilatam, exigem e incitam a incorporação, na escola, da cultura implicada nas TMDICs.
Afirma, também, ser esta a questão contemporânea, a da inscrição rizomática de uma inteligência coletiva nos aparelhos, trazendo como contraponto o redimensionamento das atitudes e dos saberes por parte dos membros discentes e docentes da escola como sua própria condição existencial.
Na produção topográfica dos capítulos, Leandro Petarnella propõe um repertório de abertura interconectado com toda produção discursiva. Para a Introdução traz Goethe com “só sabem com exatidão quando sabem pouco; à medida que vamos adquirindo conhecimento, instala-se a dúvida”. Em A sociedade digital, o primeiro capítulo, conclama com o Bobo, de Fausto: “penetrai bem profundo em toda a vida humana!
Embora todos a vivam, não muitos a conhecem”. Fala com Foucault no segundo capítulo, Cabeças Digitais: “o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta”. Clarice Lispector conclama em “A pesquisa no cotidiano escolar em Sorocaba”, capítulo três, “mergulhe fundo como eu mergulhei. Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo o entendimento”. Juntando os indícios à conclusão, modula: “Porém o mundo, a mente e o peito humano – Quem não desejará vir entendê-lo?!”.
Um Ótimo livro , recomendoa todos.

Boa Leitura.

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