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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Matemática, a Tecnologia e a Escola

Por Jaime Carvalho e Silva


Apesar da enorme evolução dos últimos anos, temos de reconhecer que a Tecnologia está ainda demasiado arredada do dia-a-dia da escola, ficando muitas vezes limitada às quatro paredes de disciplinas técnicas como “Introdução às Tecnologias de Informação” ou a salas de informática ou de estudo, de utilização mais ou menos livre ou ocasional.
Convém aqui recordar a actual Lei de Bases do Sistema Educativo: “O sistema educativo organiza-se de forma a (…) proporcionar (…) uma formação específica para a ocupação de um justo lugar na vida activa que permita ao indivíduo prestar o seu contributo ao progresso da sociedade em consonância com os seus interesses, capacidades e vocação.” (art.º 3º).
Como compreender então que a escola “fuja” ao uso da tecnologia e, por exemplo, os alunos não saibam usar os correctores ortográficos do software dos seus computadores, façam cálculos estatísticos laboriosamente à mão (ou usem amostras de 3 ou 4 elementos para poderem fazer as contas à mão), não saibam fazer estimativas e usar criticamente uma calculadora porque só os resultados exactos e feitos à mão é que são enfatizados, não saibam simular numa folha de cálculo uma situação de empréstimo, raramente desenvolvam projectos via Internet, etc., etc., etc.?
Não obstante, a sociedade exige cada vez mais competências tanto ao comum dos cidadãos como a cada profissional. Por um lado, na nossa vida diária, aparecem novas máquinas computorizadas para “facilitar a vida” mas que nos obrigam a complexas manobras de registo, escolha de palavra passe, definição de preferências e sabe-se lá que mais, surgem telemóveis cada vez com mais opções, tropeçamos em esquemas computorizados de tipo “pirâmide” cada vez mais sofisticados, é-nos oferecido acesso em tempo real a dados cada vez mais completos (logo cada vez mais difíceis de “digerir”); por outro lado, em cada profissão, cada vez mais tarefas são automatizadas através de máquinas cuja operação é cada vez mais complexa; quantas máquinas não estão encaixotadas por não haver ninguém para trabalhar com elas? Isto sem falar no cada vez maior número de estudos estatísticos em que supostamente as conclusões se obtêm com um simples carregar de uma tecla, mas que na verdade produzem disparates, conclusões ininteligíveis ou conclusões erradas (como a recente tentativa de provar que o nível socio-económico não influencia os resultados escolares!). Se uns anunciam que agora “tudo vai ser fácil” com uma nova máquina, o que é muito discutível, a verdade é que cada vez somos empurrados para efectuar mais tarefas porque passamos a ter acesso a mecanismos mais complexos: o mais complexo passa a estar ao nosso alcance e assim somos levados a desafiar o ainda mais complexo.
Em face de tudo isto, só poderemos concluir que a escola não está a desempenhar o papel que a Lei de Bases lhe atribui (e que é obviamente um papel dinâmico pois para o sistema educativo proporcionar formação para um “indivíduo prestar o seu contributo ao progresso da sociedade” terá a escola de estar atenta ao desenvolvimento dessa mesma sociedade!).
Ao contrário do que se poderia pensar, esta não é uma situação nova. A questão da adequação da tecnologia sempre se pôs à escola. Por exemplo, há 60 anos atrás, Bento de Jesus Caraça defendia que, pelo seu interesse prático, se deveriam usar no ensino da matemática as tecnologias mais desenvolvidas, réguas de cálculo e máquinas de calcular, e não as tábuas de logaritmos; Bento Caraça entendia que a manutenção da tecnologia anterior era um exemplo de “tiraniazinha sobre a pobre massa académica”. Hoje as tábuas de logaritmos são realmente métodos do passado (alguém ainda sabe o que são a característica e a mantissa do logaritmo de um número?).
20 anos mais tarde, Sebastião e Silva defendia o estudo da estatística mas alertava: “os cálculos exigidos pelos métodos estatísticos são geralmente muito laboriosos. Por esse facto, não será fácil nem aconselhável resolver nas aulas problemas numéricos de estatística, mesmo simples, sem o auxílio de máquinas de calcular.” Temos de reconhecer que, 40 anos depois, o progresso deixa ainda a desejar.
Infelizmente as dificuldades em integrar a tecnologia na escola afectam especialmente a disciplina de matemática, ao afastá-la para mais longe da realidade tangível: entre outros aspectos, a capacidade de estimativa e os métodos numéricos aproximados estão aquém das necessidades actuais de qualquer cidadão ou de qualquer profissional. Ainda não podemos contestar a seguinte afirmação do mesmo Sebastião e Silva: “se alguém lhes perguntar como se calculam todas as raízes de uma dada equação algébrica, de grau arbitrário, com a aproximação que se queira, terão de reconhecer que não sabem. Isto dá bem nota de como o ensino tradicional tem sido afastado da realidade.”
A integração da tecnologia na escola e na disciplina de matemática é um dos maiores desafios da educação actual. De algum modo a capacidade da escola e da matemática responderem aos desafios da actualidade e do futuro é medida pela eficácia com que a tecnologia é integrada nos currículos escolares. Os próprios conteúdos escolares deverão inevitavelmente sofrer alterações (o que não é nada dramático pois ao longo dos tempos tal sempre foi a regra). Claramente as rotinas elementares que continuam ainda a ser a pedra de toque do ensino da matemática (ainda por cima com notável insucesso) não podem continuar inalteradas. O nosso grande desafio está, tal como afirma o matemático espanhol Miguel de Guzman, em conseguirmos preparar os nossos alunos para “el diálogo inteligente con las herramientas que ya existen, de las que algunos ya disponen y otros van a disponer en un futuro que ya casi es presente”.

Jaime Carvalho e Silva
Universidade de Coimbra

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